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sábado, março 27, 2010

O começo do Modernismo no Brasil: A Semana de 22


O evento da Semana de 1922, ocorrido no teatro municipal de São Paulo, não ocorreu por causa de alguma pretensa revolta, apesar de ter nascido em uma época em que a política do café-com-leite reinava. Surgiu como uma tentativa de criar uma cultura própria do Brasil, aproveitando o centenário da Independência.

No entanto, seria uma blasfêmia afirmar aqui que esse evento foi totalmente alheio às vanguardas européias que surgiram neste início de século. A questão está no fato que o Brasil estava "atrasado em 50 anos em cultura", como afirmou o próprio artista Oswald de Andrade, já que os padrões estéticos datavam ainda da Europa do século XIX.

Os artistas dessa semana traziam toda uma bagagem da Europa, a fim de adaptá-la aos padrões brasileiros. O Futurismo de Marinetti (do qual pretendo falar em outro post), com a sua agressividade, o Dadaísmo do grupo Cabaret Voltaire, no qual a Arte era usada quase que exclusivamente para chocar, o Expressionismo Alemão (representados pelos grupos Der Blaue Reuter e Die Brücke).

O Brasil necessitava urgentemente de um "banho" de cultura. E foi o que aconteceu nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro daquele ano. No entanto, o público teve imensa dificuldade de aceitar as obras de Arte, devido a estranheza que elas causavam.

Artistas Plásticas

No ramo das Artes Plásticas, essa semana trouxe à tona nomes conhecidos por nós até hoje, como Anita Malfatti (1889-1964), Tarsila do Amaral (1886-1973) e Di Cavalcanti (1897-1976).

Anita foi considerada um marco e uma das principais instigadoras do movimento da Semana de 22, já que ela, anos antes (12/12/1917 e 11/01/1918) trouxe uma exposição protagonizada por ela e por nomes internacionais como Floyd O'Neale, Sara Friedman e Abraham S. Baylinson. Lembrando sempre que ela estudara nos Estados Unidos e na Alemanha, e não na França e na Itália, que eram preferência de estudantes ricos de Arte daquela época. Todavia, apesar de ser ousada e visionária em suas obras, seus trabalhos lhe renderam muitas críticas de conservadores, incluindo uma de Monteiro Lobato, considerado até então um pré-modernista.

Há alguns historiadores que defendem o fato de que Monteiro Lobato criticou, mas também elogiou a obra de Anita em muitos pontos, e que ela produziu muitas capas de livros seus na década de 1940. Portanto, não há ao certo como saber a versão correta dos fatos. Vou colar a crítica de Monteiro Lobato para que as pessoas por si só tirem suas conclusões.

"A exposição da senhorita Malfatti, toda ela de pintura moderna, apresenta um aspecto original e bizarro, desde a disposição dos quadros aos motivos tratados em cada um deles. De uma rápida visita ao catálogo, o visitante há de inteirar-se logo do artista que vai observar. Tropical e Sinfonia colorida, são nomes que qualquer pintor daria até a uma paisagem, menos a uma figura, como tão bem fez a visão impressionista de sua autora. Essencialmente moderna, a arte da senhorita Malfatti, se distancia consideravelmente dos métodos clássicos. A figura ressalta, do fundo do quadro, como se nos apresentasse, em cada traço, quase violento, uma aresta do caráter do retratado. A paisagem é larga, iluminada, quase sempre tocada de uma luz crua, meridiana, que põe em relevo as paredes alvas, num embaralhamento de vilas sertanejas, onde a minudência se afasta para a mais forte impressão do conjunto."

"Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura... Se Anita retrata uma senhora com cabelos geometricamente verdes e amarelos, ela se deixou influenciar pela extravagância de Picasso e companhia - a tal chamada arte moderna..".

As críticas (boas ou não, dependendo do ponto de vista) de Monteiro Lobato atingiram os companheiros de Anita Malfatti, ou seja, o restante da trupe de modernistas se irritou, e defenderam a amiga em publicações, elogiando a arte de Anita.

Anos mais tarde, Oswald publicou o Manifesto da Semana de 22 na mesma editora de Monteiro Lobato, com a capa desenhada por Anita Malfatti.

Exemplos da obra de Anita: clique aqui.

Já Tarsila do Amaral conheceu Anita por causa do estúdio de Pedro Alexandrino, onde as duas estudaram juntas em 1917. Anita apresentou Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Menotti del Picchia, formando juntos o Grupo dos Cinco, durante a primeira fase do Modernismo Brasileiro.

Tarsila é uma das minhas artistas brasileiras favoritas. Não só pela sua fama, mas também por causa da leveza de seus quadros, ao mesmo tempo agressivos. Coloridos com um caráter quase lúdico. Algumas de suas obras podem retratar tanto paisagens, temas sociais ou nus extremamente distorcidos e deformados (algo que lembra um pouco as obras de Matisse, só que bem mais fragmentadas e geometrizadas). Sua obra mais importante é o Abaporu, que foi dado de presente para Oswald, seu segundo marido. Foi daí que surgiu a ideia de Oswald de escrever o Manifesto Antropofágico em 1928.

Exemplos da obra de Tarsila no site oficial da artista: clique aqui.

Di Cavalcanti (1897-1976) também teve uma considerável importância no evento da Semana de 22, já que fora ele quem fizera o catálogo de divulgação da própria Semana, além de ter idealizado e organizado o evento. Di Cavalcanti era amigo de Oswald, e também um ilustrador, desenhista, pintor e caricaturista, o que ajudou e muito na aproximação dos dois.

Mais informações sobre ele, em seu site oficial: clique aqui.

Não somente as Artes Visuais foram de grande importância naquela semana, como também as poesias publicadas por Manuel Bandeira e Mário de Andrade, a música de Vila-Lobos, e os artigos de Oswald.

Para encerrar esse tópico acrescentando um "algo mais", além das Artes Visuais, gostaria de expor dois poemas de gosto pessoal meu. Um de Mário de Andrade, e outro de Manuel Bandeira.



Ode ao burguês
Mário de Andrade - Paulicéia desvairada
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o èxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
"–Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
–Um colar... –Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"
Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burgês!.
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Os sapos

Manuel Bandeira

Enfunando os papos,
Saem da penumbra
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" -- "Foi!" -- "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia
Mas há artes poéticas . . ."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei" - "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!"
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- "A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo."
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
Lá, fugindo ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo cururu
Da beira do rio...
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Site Oficial do Di Cavalcanti


Site "Pitoresco"







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