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quarta-feira, junho 23, 2010

A vida por trás do traço

Desde que me dei por gente, costumava ser perfeccionista com os meus desenhos. Tinha por eles um carinho todo especial, e queria que saíssem exatamente do modo que eu os tinha pensado.
Sendo assim, utilizava a borracha toda a hora, o que fazia muitas vezes o papel ficar marcado ou muitas vezes rasgar-se.

Não muito incomum, vejo os meus alunos fazendo a mesma coisa... Decepcionados consigo mesmos ou de má vontade, afirmam que não sabem desenhar. Às vezes fico pensando se eu pudesse transmitir a eles o que eu penso a respeito dessa alegação, tão simplista, tão preconceituosa... Fazê-los ver que não precisam tornarem-se Michelângelo ou Rafael para aprenderem a dominar os traços.

Não somente crianças se portam assim. As pessoas adultas no geral têm uma grande dificuldade em se desligar do resultado final e preocupar-se em aprimorar-se durante o processo. Em aperfeiçoar o traço como um todo. É o que procura o estudo de caligrafias chinesas e japonesas... A VIDA existente no traço. Já reparou como o desenho fica morto quando é retocado inúmeras vezes com a borracha?

O desenho é muito mais do que um conjunto de formas figurativas intencionais em um papel, ele transmite a ansiedade do traço, a leveza ou brutalidade com a qual o ser humano se utiliza de uma ponta com tinta sobre um papel.

Infelizmente, só consegui me dar conta do que eu própria estava fazendo, ao utilizar tanto a borracha, ao entrar na faculdade. É muito triste que tenhamos essa cultura de apagar tudo aquilo que achamos feio.

Quando me dei conta disso, abandonei o lápis e a borracha, e passei a trabalhar unicamente com caneta. A caneta devolveu vida ao meu desenho. Em vez de apagar os meus traços, eu os complementava, para que dessem mais impressão de realidade. Não era somente um traço que determinava o meu desenho, e sim o conjunto de traços que acabava por si só dando origem a uma nova forma, que no final acabara saindo melhor até do que eu havia imaginado.

As pessoas deveriam pensar no desenho mais como uma terapia ocupacional, sem a intenção de fazer dele um grande trabalho de arte condizente com a realidade visível. A câmera fotográfica digital já nos dá tudo que precisamos, registrando com exatidão tudo que podemos ver. Mas o desenho pode demonstrar aquilo que a câmera não consegue captar: a vida por trás do traço. 
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